segunda-feira, 9 de maio de 2011

Antônio Maria


Antônio Maria Araújo de Morais nasceu no Recife, em 17 de março de 1921, filho de Inocêncio Ferreira de Morais e Diva Araújo de Morais. Junto com os irmãos Rodolfo, Maria das Dores, Consuelo, e inúmeros primos, teve uma infância feliz, conforme se depreende de suas crônicas sobre os bons momentos desfrutados, nessa época, em sua terra natal. Nelas nos conta sobre a mãe carinhosa, os tempos de colégio, as aulas de música, as lições de francês, os mergulhos no rio e os "banhos salgados", as férias na usina Cachoeira Lisa, deixada por seu avô materno, Rodolfo Araújo.

Seu primeiro emprego, aos 17 anos, foi o de apresentador de programas musicais na Rádio Clube Pernambuco.

Em março de 1940,Antônio Maria foi para o Rio a bordo do Ita "Almirante Jaceguai", "com quatro roupas novas e cinco contos no bolso", para ser locutor esportivo na Rádio Ipanema. A cidade tinha 1.764.411 habitantes. Quase todos cantavam que o passarinho do relógio está maluco, achavam que a Elvira Pagã era uma uva e fingiam não ver , no prédio moderninho do Ministério da Educação e Cultura (MEC) que Carlos Drummond de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda (pai do Chico) bancavam os antigos e se estapeavam, óculos quebrados, por causa de um xodó comum. Foi direto do Ita para o apartamento 1.005 do edifício Souza, na Cinelândia, onde passou a morar ao lado de Fernando Lobo e Abelardo Barbosa, o futuro rei dos auditórios Chacrinha, também pernambucanos. Também viviam por lá Dorival Caymmi e o pintor Augusto Rodrigues.

Ficou pouco tempo por aqui — 10 meses — sem ser notado. Passou fome, foi humilhado e preso.

Retornou ao Recife e se casou, em maio de 1944, com Maria Gonçalves Ferreira. Logo muda-se para Fortaleza, tendo ido trabalhar na Rádio Clube do Ceará. Depois de um ano vai para a Bahia como diretor das Emissoras Associadas, tendo ali conhecido e feito amizade com Di Cavalcanti, Dorival Caymmi e Jorge Amado. Chegou a ser candidato a vereador naquela cidade.

Volta ao Rio de Janeiro, em 1947, já com dois filhos, Rita e Antônio Maria Filho, como diretor artístico da Rádio Tupi. Convocado por Assis Chateaubriand foi o primeiro diretor de produção da TV Tupi, inaugurada em 20 de janeiro de 1951, tendo trabalhado também como cronista de O Jornal.

Durante mais de 15 anos escreveu crônicas diárias. Assinou, até 1955, as colunas "A noite é grande" e "O Jornal de Antônio Maria", nesse diário. No jornal O Globo manteve, por pouco tempo (início de 1959), a coluna "Mesa de Pista", tendo então se transferido para a Última Hora. Ali voltou a assinar "O Jornal de Antônio Maria" e "Romance Policial de Copacabana", esta última com crônicas e reportagens.

Graças ao dinheiro que o governo Getúlio Vargas despejou em troca de apoio político, no fim de 1952 a rádio Mayrink Veiga partiu para o ataque contra a Tupi e passou a contratar seus grandes nomes. Antônio Maria foi um dos primeiros contratados, por 50 mil cruzeiros, o mais alto salário do rádio no Brasil. Logo comprou seu primeiro Cadillac, símbolo de status entre os reis do rádio naquela época.

Na televisão era famoso o programa "Preto no Branco", de Oswaldo Sargentelli, onde sempre aparecia uma "pergunta de Antônio Maria, da produção do programa", geralmente muito embaraçosa. Fez, com Ary Barroso, durante todo o ano de 1957, um programa de sucesso: "Rio, Eu Gosto de Você", na TV Rio. Maria gostava de alfinetar os entrevistados. Um dia perguntou a Sandra Cavalcanti, candidata a deputada: "Quer dizer, dona Sandra, que a senhora é mal-amada?" A resposta de Sandra, dizem os espectadores da cena, assegurou-lhe a eleição. "— Posso até ser, senhor Maria, mas não fui eu que fiz aquela música Ninguém me ama".

Com Paulo Soledade, assinou alguns shows na boate Casablanca e, em 1953, chegou a subir toda noite ao palco do Night and Day, no Edifício Serrador, localizado no centro do Rio, para apresentar "A Mulher é o Diabo", revista de Ary Barroso. Era um homem de 7 instrumentos, como se dizia.

Cronista, locutor esportivo, produtor de rádio, compositor de jingles, é dele essa pequena jóia literária, interpretada por Dircinha Batista, para o remédio Aurissedina:

"Se a criança acordou
Doooooorme, doooooorme filhinha
Tudo calmo ficou
Mamãe tem
Aurissedina"

Autor de jingles comerciais em parceria com Geraldo Mendonça e com o Maestro Aldo Taranto, acabou compondo letra para um samba que falava numa "poltrona surrada / um cigarro apagado / só nós dois e mais nada..." Não fez sucesso, mas pouco depois compôs um frevo, que foi o primeiro de uma série de cinco, chamado Frevo nº. 1 do Recife, gravado pelo Trio de Ouro em agosto de 1951. Nesse mesmo ano, com Fernando Lobo, compõe o samba Querer Bem, gravado por Aracy de Almeida.

No ano seguinte duas gravações na voz de Nora Ney (1922 - 2003) se transformam em grande sucesso na programação das rádios brasileiras: Menino Grande e Ninguém me ama.

Música: Menino Grande
Álbum: Canta Nora Ney
Faixa: 03
Ano: 1955

Eu gosto tanto do carinho que ele me faz
Faz tanto bem o beijo que ele me traz

As horas passam
Ligeiras, felizes
Sem a gente sentir
Ele está ao meu lado
Com o corpo cansado
Precisa dormir

Dorme, menino grande, que eu estou perto de ti
Sonha o que bem quiseres, que eu não sairei daqui
Oh, vento não faz barulho, meu amor está dormindo
E o mar não bata com força, porque ele está dormindo

(Dorme, menino grande, que eu estou perto de ti
Sonha o que bem quiseres, que eu não sairei daqui
Oh, vento não faz barulho, meu amor está dormindo
E o mar não bata com força, porque ele está dormindo)

Dorme, menino grande, que eu estou perto de ti
Sonha o que bem quiseres, que eu não sairei daqui



("Ninguém me ama", de Antonio Maria e Fernando Lobo. Ninguém me ama, ninguém me quer/Ninguém me chama de meu amor/A vida passa, e eu sem ninguém/E quem me abraça não me quer bem/Vim pela noite tão longa de fracasso em fracasso/E hoje descrente de tudo me resta o cansaço/Cansaço da vida, cansaço de mim/Velhice chegando e eu chegando ao fim/_ Número musical extraído do filme "Carnaval Atlântida", dirigido por Carlos Manga)

Essas músicas são, até hoje, lembradas por diversas gerações, sempre com muita emoção. Compôs, também, outros grandes sucessos, dentre os quais podemos destacar Valsa de uma cidade e Canção da Volta, com Ismael Neto; Manhã de Carnaval e Samba do Orfeu, com Luís Bonfá, em 1959; O Amor e a Rosa e As Suas mãos, com Pernambuco, e Se eu Morresse Amanhã.

Antonio Maria - Ninguem Me Ama - Se Eu Morresse Amanha - Canção Da Volta


De sua grande produção musical, apenas 62 foram gravadas. Eram, em sua maioria, tristes, de dor-de-cotovelo. Além dos acima citados, foram seus parceiros, entre outros: Fernando Lobo, Moacyr Silva, Vinicius de Moraes, Zé da Zilda e Reynaldo Dias Leme.

Alguns dos intérpretes de suas músicas: Nora Ney, Dolores Duran, Elizeth Cardoso, Lúcio Alves, Doris Monteiro, Jamelão, Ângela Maria, Aracy de Almeida, Agostinho dos Santos, Dircinha Batista, Luiz Bandeira e Claudionor Germano, além de Nat King Cole, que gravou Ninguém me ama e Tuas mãos.

Nat King Cole - Nadie Me Ama

Nat King Cole - Tuas Mãos


Antonio Maria, cardiopata desde a infância, faleceu fulminado por um enfarte do miocárdio na madrugada de 15 de outubro de 1964, em Copacabana, quando se dirigia para o Le Rond Point; mesmo tendo sido socorrido por amigos que o viram cair e que se encontravam na boate O Cangaceiro, em frente daquele restaurante. Bom de copo e de garfo, Maria se auto-intitulava "cardisplicente", uma mistura de cardíaco com displicente.

CURIOSIDADES

  • Carta a Maísa

"[...]Mas, minha prezada Maísa, o que me leva a este bilhete não é aconselhá-la à perseverança do scotch e seus substitutivos. Queria conversar sobre a morte, dentro da verdade irrefutável de que a vida, mesmo quando não chega a ser uma delícia, é uma fascinante experiência de luta e coragem, bela não só nos momentos de intensa felicidade, como, e mais ainda, nos transes dolorosos, de que saímos mais livres e fortes. Não quero dizer com isso que sofrer seja bom. Boa é a nossa convicção de sobrevivência a todas as injustiças que nos fazem à carne e à alma.

O suicídio contém uma desforra, e este é o seu lado fascinante. Mas o suicídio contém a morte, e este é o seu defeito irreparável. Nunca morrer hoje, quando se pode morrer amanhã... ou daqui a cem anos. Há muito o que ver e sentir, há muito o que amar! Em mim e em meus semelhantes mais intranqüilos haverá, um dia, aquela manhã clara e azul, e, com os olhos da alma sossegada, veremos toda a beleza da rosa, toda a luz do lago duro e prisioneiro, o sopro da manhã cheia de pássaros, o convite do amor no ser que passa.

Quantas vezes estive cansado, infeliz da minha completa impossibilidade, cativo da hora improtelável, faltado de todo o bem-querer humano, faltoso a todos os meus compromissos e, mesmo assim, estive certo dessa manhã que nos aguarda a todos. Há uma série de acontecimentos recentes em minha vida, que só por eles jamais cometeria a ingratidão de me matar. Poderia enumerar alguns: o caminho de Versalhes, a descida do Tejo, a estrada de Teresópolis, a noite que acabo de dormir, pesadamente.

Em tudo isto quanto apego a esta minha vida sem método, por este destino sem porto de chegada, pelo meu coração, que só deseja o acaso dos homens e das coisas! Que incontida necessidade de confiar! Que lúcida noção de todas as minhas falhas... E, mesmo assim, viver! Ninguém recebeu o conselho dos mortos. Por isso, ninguém se deve matar.

Minha jovem amiga, abra uma janela de sua casa - a que dá para o mar ou para a montanha. Procure o mundo e dê-se por perdida. Viva, sem a nervosia de procurar-se a si mesma, porque cada um de nós é um perdido, um ilustre perdido na humanidade vária e numerosa. Viva, que no fim dá certo. É o seu amigo, A.M.


(Antônio Maria - um dos mais interessantes cronistas brasileiros, dos glamourosos anos 50, - também jornalista, radialista, compositor - é autor da carta acima, escrita em 1958, à cantora Maísa, um mais belos e singelos textos de louvação à Vida)

  • Sugestão de Leitura

O livro "Um Homem Chamado Maria", de Joaquim Ferreira dos Santos.

Crônicas de Antônio Maria aqui...

Mulher dos outros

Antônio Maria

Dia claro. Primeiras horas do dia claro. Havíamos bebido e procurávamos um café aberto, para uma média, com pão-canoa. Quase todos estavam fechados ou não tinham ainda leite ou pão. Fomos parar em Ipanema, num cafezinho, cujo dono era um português e nos conhecia de nome de notícia. Propôs-nos, em vez de café, um vinho maduro, que recebera de sua terra, "uma terrinha (como disse) ao pé de Braga". Não se recusa um vinho maduro, sejam quais forem as circunstâncias. Aceitamo-lo. Nossa grata homenagem a José Manuel Pereira, que nos deu seu vinho.

Nesse café, além de nós, havia um casal, aos beijos. As garrafas vazias (de cerveja) eram quatro sobre a mesa e seis sob. Beijavam-se, bebiam sua cervejinha e voltavam a beijar-se. Não olhavam para nós e pouco estavam ligando para o resto do mundo. Em dado momento, entraram dois rapazes e pediram aguardente no balcão. Ambos disseram palavrões, em voz alta. O casal dos beijos e da cerveja parou com as duas coisas. Outros palavrões e o cabeça do casal protestou:

— Pára com isso, que tem senhora aqui!

Um dos rapazes dos palavrões:

— Não chateia!

— Não chateia o quê? Pára com isso agora!

Um dos rapazes do palavrão:

— E essa mulher é tua mulher?

— Não é, mas é mulher de um amigo meu!

A briga não foi adiante. Todos rimos. O dono da casa, os rapazes dos palavrões, o casal. Está provado que: quem sai aos beijos com mulher de amigo não tem direito a reclamar coisa alguma.

Nossa homenagem ao autor na passagem de seus 72 anos de nascimento no dia 17 de março.

Publicada originalmente no jornal Última Hora – Rio de Janeiro, de 23-08-1960, foi extraída do livro “Benditas sejam as moças: as crônicas de Antônio Maria”, Editora Civilização Brasileira – Rio de Janeiro, 2002, organização de Joaquim Ferreira dos Santos, pág. 115.

FONTE

Releituras

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