sábado, 26 de julho de 2008

Adoniran Barbosa

O sucesso artístico com que Adoniran sempre sonhou custou-lhe mesmo saturninos esforços: "Nada meu foi conseguido com facilidade. Tudo parecia com alguém que quisesse entrar num elevador e, embora havendo lugar, o cabineiro, que não ia com a minha cara, logo dizia: "tá lotado!".


João, sétimo filho de Fernando e Ema Rubinato, imigrantes italianos de Veneza, que se radicaram em Valinhos. A verdadeira data de nascimento de Adoniran foi 06/07/1912, que foi "maquiada"para que ele pudesse trabalhar ainda menino.

Muda-se para Jundiaí/SP, e começa a trabalhar nos vagões de carga da estrada de ferro, para ajudar a família, já que só conseguia ser convencido a frequentar a escola pela vara de marmelo empunhada por D. Ema. É entregador de marmitas, varredor etc.

Em 1924, muda-se para Santo André/SP. Lá é tecelão, pintor, encanador, serralheiro, mascate e garçon. No Liceu de Artes e Ofícios aprende a profissão de ajustador mecânico.

Aos 22 anos vai para São paulo, morar em uma pensão e tentar ganhar a vida. O rapaz João Rubinato já compõe algumas músicas. Participa do programa de calouros de Jorge Amaral, na Rádio Cruzeiro do Sul e após muitos gongos, consegue passar com o samba Filosofia, de Noel Rosa.

Em 1932 ele veio morar sozinho em São Paulo. Logo começou a frequentar as rádios, cantando sambas em programas de calouros.


No do animador Jorge Amaral, na rádio Cruzeiro do Sul, ganhou um 1º prêmio interpretando "Filosofia", de Noel Rosa, apropriada para sua voz rouquenha. Recebeu 25 mil réis e um contrato, pois teve a sorte de ser notado pelo Paraguaçu, diretor do programa.

Adotou um nome artístico que homenageava dois amigos: o funcionário do correio Adoniran e o sambista carioca Luiz Barbosa. Ele achava que João Rubinato não era nome de cantor de samba. Resolveu mudar. De um amigo pegou emprestado Adoniran e, em homenagem ao sambista Luiz Barbosa, adotou seu sobrenome. Foi assim que Adoniran Barbosa tornou-se um dos maiores nomes do cancioneiro popular brasileiro e uma das mais importantes vozes da população ítalo-paulistana.

Cantou músicas alheias, com regional, nas rádios Cosmo (depois América), São Paulo, Difusora.


Em 1935, inscreveu "Dona Boa" (composição sua, em parceria com o pianista carioca J. Aymberê) no concurso para o carnaval oficial da Prefeitura paulista. Ganhou o 1º prêmio: 500 mil réis. O cheque foi descontado na Praça da Sé e o dinheiro mal deu para a farra que Adoniran e os amigos aprontaram. Ele acabou voltando a pé para casa.

Nesse mesmo concurso, o 2º lugar ficou com outro novato, o Ranchinho. E Adoniran se encontraria com a notável dupla caipira Alvarenga e Ranchinho no cast da rádio São Paulo, ainda em 1935. Foi quando saiu a primeira matéria sobre ele em jornal, com um título que ainda hoje repete de memória: "No baralho tem um ás de ouro. Na Rádio São Paulo tem três: Adoniran Barbosa, Ranchinho e Alvarenga".

Adoniran, em foto de 1980, com seu figurino típico: chapéu e gravata-borboleta

O ano é 1933 e ele ganha um contrato passando a cantar em um programa semanal de 15 minutos, com acompanhamento de regional.

Em 1933 passa a usar o nome artístico de Adoniran Barbosa. O prenome incomum era uma homenagem a um amigo de boemia e o Barbosa foi extraído do nome do sambista Luiz Barbosa, ídolo de João Rubinato.

Em 1934 compõe com J. Aimberê, a marchinha Dona Boa que venceu o concurso carnavalesco organizado pela Prefeitura de São Paulo, no ano seguinte. O sucesso dessa música levou-o a decidir casar-se com Olga, uma moça que namorava já há algum tempo. O casamento durou pouco menos de um ano, mas é dele que nasce a única filha de Adoniran: Maria Helena.

Um dia, o Blota Jr. e o Vicente Leporace resolveram fazer uma experiência e colocaram o Adoniran num programa humorístico que eles tinham na rádio Cruzeiro do Sul. O auditório entrou em delírio. E, a partir daí, a carreira de rádio-ator passou a ser sua principal ocupação...

Na rádio Cruzeiro do Sul ficou até 1940, transferindo-se, em 1941, para a rádio Record, a convite de Otávio Gabus Mendes. Ali começou sua carreira de ator participando de uma série de radioteatro intitulada "Serões Domingueiros".


Essa foi a oportunidade para Adoniran começar a criar sua galeria de personagens, sempre cômicos, como o malandro Zé Cunversa ou Jean Rubinet, um galã de cinema francês. O linguajar popular de seus personagens encontrava par em suas composições. A maneira de compor sem se preocupar com a grafia correta tornou-se sua maior característica e lhe rendeu críticas de gente como o poeta e compositor Vinícius de Moraes. Adoniran não deu importância às declarações de Vinícius, tanto que musicou uma poesia do escritor carioca transformando-a na valsa "Bom Dia, Tristeza".

Às críticas que recebia Adoniran rebatia: "só faço samba pra povo. Por isso faço letras com erros de português, porquê é assim que o povo fala. Além disso, acho que o samba, assim, fica mais bonito de se cantar."

Em 1941 foi para a Rádio Record (chamado pelo Otávio Gabus Mendes), onde fez humorismo e rádio-teatro, e só sairia com a aposentadoria, em 1972. Na Record, Adoniran conheceu o produtor Osvaldo Moles, responsável pela criação e pelo texto dos principais tipos interpretados por ele. Os dois trabalharam juntos durante 26 anos.

No rádio, um dos maiores sucessos dessa parceria foi o programa "Histórias das Malocas", onde Adoniran representava o personagem Charutinho. O programa ficou no ar pela rádio Record até 1965, chegando a ter uma versão para a televisão. Os dois também dividiram a criação de vários sambas.


Dessa união nasceram, entre outros clássicos, "Tiro ao Álvaro" e "Pafúncia". Foi lá que criou tipos inesquecíveis como Pernafina e Jean Rubinet, entre outros. Os programas foram se sucedendo:


*Palmolive no Palco;
*Escolinha Risonha e Franca (ele era o Barbosinha Maleducado da Silva);
*Casa da Sogra (interpretava vários tipos: o galã de cinema francês Jean Rubinet, o professor de inglês Richard, o cobrador de prestações Moisés Rabinovichi, o chofer de táxi do Largo do Paissandu Perna Fina);
*Zé Conversa e Catarina ("o Zé Conversa era um crioulo folgado da Barra Funda que vestia a roupa do patrão para conquistar as empregadinhas");
*O Crime Não Compensa (este já era sério e o Adoniran fazia sempre o criminoso).


Mas, o grande sucesso foi mesmo o História das Malocas, escrito por Osvaldo Molles (o Adoniran, com seu sotaque italiano, o chama de Molichi...) e inspirado no sucesso da música "Saudosa Maloca".

A galeria de tipos é inesquecível: a Teresoca, o Trabucão, Panela de Pressão, Pafunça. E o principal deles, "um preto da favela, vagabundo, que não faz nada", marcaria época, interpretado por Adoniran: o Charutinho. Estreado em 1955, o personagem Charutinho seu maior sucesso no rádio, no programa História das Malocas de Oswaldo Molles.

[Trata-se de mais um dos personagens curiosos baseados no carismático presidente do Corinthians, Alfredo Ignácio Trindade. Outro deles é o político populista vivido por José Lewgoy no filme Terra em Transe, de Glauber Rocha.]


O História das Malocas ficou no ar de 1954 a 1968, em dois horários: domingo às 12h e sexta-feira às 21h. Adoniran diz que ele foi o programa humorístico de maior audiência do rádio brasileiro, graças ao talento de Molles ("igual a esse não apareceu mais nenhum e nem vai aparecer").

Perguntado se ele próprio, Adoniran, chegava a criar alguma piada. Ele responde: "Eu não. E nem precisava, que eu falando já era uma piada."


Adoniran compôs de forma descontínua: "Joga a Chave", "Malvina" e "Iracema", em 1943; pausa até 1950, ano de "Saudosa Maloca", "Samba do Arnesto" e "Os Mimoso Colibri"; novo lapso até 1956, quando suas composições antigos fazem sucesso na interpretação dos Demônios da Garoa e ele se anima a uma parceria com Vinícius de Moraes, "Bom Dia Tristeza", que Aracy de Almeida gravou.


Em 1949, Adoniran casa-se pela 2ª vez com Matilde de Lutiis, que será sua companheira por mais de 30 anos, inclusive parceira de composição em músicas como Pra que chorar? e A Garoa vem Descendo.

Sua estréia no cinema se dá em 1945 no filme PIF-PAF, seguido de "Caídos do Céu", em 1946, ambos dirigidos por Ademar Gonzaga. Participou também, como ator, das primeiras telenovelas da TV Tupi, como A pensão de D. Isaura. Seu melhor desempenho no cinema, acontece no filme O Cangaceiro, de Lima Barreto, na Vera Cruz.


Compõe inúmeras músicas de sucesso, quase sempre gravadas pelos Demônios da Garoa. As músicas Malvina e Joga a Chave foram premiadas em concursos carnavalescos de São Paulo. Destacam-se Samba do Ernesto, Trem das Onze, Saudosa Maloca, etc.

Finalmente, em 1964, o grande sucesso: "Trem das Onze", que, sem ser música carnavalesca, acabou se tornando um dos cinco sambas mais executados no carnaval do centenário do Rio de Janeiro, valendo a Adoniran 2 mil cruzeiros de prêmio e um troféu que ele exibe até hoje, com a inscrição "Adoniran Barbosa, campeão carioca do carnaval".

Era o coroamento de sua carreira de compositor paulista, consagrar-se na capital do samba!

E depois? O justo reconhecimento, a possibilidade de gravar seu próprio LP, a aceitação de seus sambas originais, falando de tipos esquecidos do cotidiano em seu linguajar simples e cheio de erros de português?

Nada disso. Mais um período obscuro, de vacas magras. E ele , que já atuara no cinema (inclusive em O Cangaceiro), chega ao fim dos anos 60 fazendo pontas em novelas da TV Tupi, como Mulheres de Areia e Ovelha Negra.


O reconhecimento, porém, vem somente em 1973, quando grava seu primeiro disco e passa a ser respeitado como grande compositor. Foi quando o produtor musical João Carlos Botezelli, o Pelão, tornou-se seu amigo e começou a corrigir as injustiças de toda uma vida. Levou Adoniran para se apresentar no teatro Treze de Maio, foi um tremendo êxito. Conseguiu que ele gravasse o primeiro LP na Odeon, em 1975. Dá-se o episódio pitoresco da impossibilidade de colocar nesse disco, que reuniu seus grandes sucessos, o "Samba do Arnesto", porque um decreto oficial proibia o mau uso do vernáculo nos veículos de comunicação.


O professor Antônio Cândido sai em defesa de Adoniran, na contracapa do LP: “Adoniran Barbosa” (Odeon, 1975; Dir. Musical de José Briamonte):

"Já tenho lido que ele usa uma linguagem misturada de italiano e português. Não concordo. Da mistura, que é o sal de nossa terra, Adoniran colheu a flor e produziu uma obra radicalmente brasileira, em que as melhores cadências do samba e da canção, alimentadas inclusive pelo terreno fértil das Escolas, se aliaram com naturalidade às deformações normais de português brasileiro, onde Ernesto vira Arnesto, em cuja casa nóis fumo e não encontremo ninguém, exatamente como por todo esse País".

Mais um LP em 1976. E um novo hiato hiato até agora, quando saiu o disco comemorativo de seus 70 anos, em meio a todas as festividades programadas pela Emi-Odeon. Um sucesso certo, a julgar por sua qualidade, pela repercussão da data e pelo peso dos convidados (Clementina de Jesus, Clara Nunes, Carlinhos Vergueiro, Djavan, Elis Regina, Gonzaguinha, MPB-4, etc.).

E depois? Quanto tempo levará até que o público recorde novamente esse que é um dos mais sensíveis e humanos retratistas do seu cotidiano? Meses? Anos?

Não importa. Adoniran seguirá mantendo seus rituais diários, resistindo obstinadamente à velhice e à acomodação. Continuará se apresentado pela periferia e pelo interior, em faculdades, escolas, prefeituras, entusiasmado com o público jovem que conquistou ("Até a criançada já me conhece!" - afirma, orgulhoso).

Não importa que volte dessas excursões exausto, desabe na cama e permaneça o dia e a noite toda recuperando as forças. E se alguém lhe perguntar se gosta da vida que leva, decerto ele responderá sinceramente que sim, talvez até acrescentando sua frase célebre: "Nóis ganha poco, mais nóis si diverti!"

A partir de 1972, Adoniran começa a trabalhar em televisão. No início eram apenas bicos como "cobaia" para testes de câmera.

Em seguida, começou a atuar em programas humorísticos como "Ceará Contra 007" e "Papai Sabe Nada" da TV Record, além de ter participado das novelas "Mulheres de Areia" e "Os Inocentes". Seu primeiro disco individual só foi gravado em 1974, seguido por outro em 1975, e o último em 1980, este com a participação de vários artistas: Djavan, Clara Nunes, Clementina de Jesus, Elis Regina, os grupos Talismã e MPB-4, entre outros, participaram do registro em homenagem aos seus 70 anos.

Uma de suas últimas composições é Tiro ao Álvaro, gravada por Elis Regina em 1980.



Centenário do Nascimento de João Rubinato
Dá licença de contar: o centenário do nascimento de João Rubinato, nome verdadeiro de Adoniran Barbosa, é apenas no dia 6 de agosto. Em janeiro/
2010, no entanto, São Paulo já começa a homenagear um dos artistas que mais lhe pa garam tributo. Músico e ator completaria 100 anos em agosto. Shows e biografia celebram sua obra a partir de janeiro de 2010...

O início das comemorações deu-se no fim de 2009, com o lançamento de uma agenda (Editora Anotações com Arte; 49 reais) que narra a história do compositor com textos e fotos inéditas — entre elas a da aliança feita por Adoniran com a corda mi de seu cavaquinho para presentear a mulher, Mathilde (fato perpetuado na música Prova de Carinho).

Em janeiro/2010 foi lançada a segunda edição de Adoniran — Uma Biografia (Editora Globo), escrita pelo jornalista Celso de Campos Jr. — uma novidade do livro são os roteiros dos programas de rádio nos quais ele encenava o personagem Charutinho, nos anos 50.

Pode-se dizer que Adoniran foi um artista multimídia bem antes da criação do termo. Ele atacou de cantor, compositor, humorista e ator dramático em rádio, TV, cinema e circo.

Em “Adoniran – Uma Biografia” (Editora Globo), o jornalista Celso de Campos Jr. conta as aventuras (e desventuras) deste filho de imigrantes italianos cujo nome de batismo era João Rubinato. E que, apesar de ter sido considerado “A Voz de São Paulo” pelo crítico literário Antônio Candido e de suas composições serem verdadeiras crônicas da cidade, ele não nasceu na capital.

O homem que popularizou o “paulistanês” – aquele sotaque ítalo-paulistano-caipira presente em suas músicas – nasceu em Valinhos, próximo a Campinas. “Mesmo que não tenha nascido aqui, Adoniran se incorporou àquela São Paulo de meados do século passado de um jeito extraordinário e soube sintetizá-la como poucos”, diz Cunha Jr., que faz uso no livro da ironia tão presente trajetória artística do Adoniran.

"Ele foi muito mais do que um compositor", diz Campos. "Ganhou cinco vezes o Prêmio Roquete Pinto como radioator da Record, estrelou filmes como O Cangaceiro, de Lima Barreto, e fez diversas novelas na Tupi."

Outros shows-homenagens aconteceram nos dias 23 a 25 de janeiro no Sesc Vila Mariana e no Sesc Ipiranga. Neste, o show, batizado de O Arnesto Nos Convidou, mistura grupos de samba de raiz com a velha guarda da Vai-Vai, da Camisa Verde e da Nenê de Vila Matilde.

Kiko Dinucci, sambista da nova geração, faz uma releitura de sucessos de Adoniran, além de obras suas e de artistas que também foram influenciados pelo mestre. “Eu tinha quatro anos quando ele morreu, mas tem uma coisa do Adoniran no imaginário, que atravessa gerações”, diz Dinucci, que já foi roqueiro na adolescência.

Entre as releituras que ele faz, “Já Fui Uma Brasa”, na qual Adoniran faz referência à Jovem Guarda (“Mas lembro que o rádio que hoje toca iê-iê-iê o dia inteiro, Tocava saudosa maloca...”) contou com a companhia de uma música de Roberto Carlos. Já “Conselho de Mulher”, que faz uma critica social ao crescimento desenfreado da metrópole (“Pogressio, pogressio/Eu sempre iscuitei falar, que o pogressio vem do trabaio./Então amanhã cedo, nóis vai trabalhar.”) é apresentada com um arranjo erudito. E “Joga A Chave, Meu Bem”, ganha ritmo de salsa.

Em fevereiro, teve o Skarnaval, no Hangar 110, onde as músicas de Adoniran forão entoadas em ritmo de ska.

Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa, de 72 anos, filha única de Adoniran, está feliz da vida com as homenagens, mas lamenta que nenhuma escola de samba da cidade tenha dedicado seu enredo ao compositor no Carnaval 2010.

As escolas de samba viraram empresas. Dependem de patrocínio.” No dia 25, entra no ar o portal adoniranbarbosa, com a história de Adoniran e informações sobre os eventos do centenário.

Há previsão de um documentário dirigido pela cantora e compositora Vange Milliet, um musical produzido pelo crítico de cinema Rubens Ewald Filho, uma história em quadrinhos, um CD, shows, um projeto social em escolas públicas e o programa Por Toda Minha Vida, da Rede Globo. “Deve ir ao ar em abril”, diz Maria Helena. Seu sonho, no entanto, é concentrar em um museu o acervo sobre a carreira do “paizão”, como ela chamava Adoniran, um paulista que provou a Vinicius de Moraes e ao Brasil que São Paulo não é o túmulo do samba.

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